quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Tribunais divergem sobre legalidade da multa ao cancelar banda larga


A cláusula de fidelidade prevista nos contratos de serviços de banda larga gera desconforto para parte dos usuários que optam pelo cancelamento do serviço. Por esta cláusula, o usuário deverá manter o contrato por um período mínimo, chamado de carência, caso contrário deverá pagar uma multa determinada no contrato de adesão.
Existem posições divergentes na justiça brasileira sobre a possibilidade de que haja a aplicação de multa em decorrência da cláusula de fidelidade.
Por um lado, o Código Civil prevê em seu art. 408 a possibilidade de aplicação de multa no caso de alguém não cumprir com a sua parte na obrigação, chamada de “cláusula penal”. Com base na cláusula penal, há entendimentos de que seja possível a cobrança da multa. A maior parte dos julgados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entende ser possível a cobrança da multa, desde que observados dois requisitos:
  1. Que o cliente esteja ciente de tal cláusula.
  2. Que a rescisão não tenha sido motivada por falha na prestação do serviço.
Tal entendimento pode ser verificado na decisão da Apelação nº 0024456-18.2010.8.19.0209:
Sentença que se reforma – Cláusula de fidelidade que se amolda ao conceito de cláusula penal a qual deve ser avençada expressamente pelas partes – Autora que tinha plena ciência de que estava contratando um pacote de serviço promocional e que caso optasse pela retirada da cláusula de fidelização deveria arcar com um valor maior – Inocorrência de falha na prestação do serviço – Avença plenamente válida e eficaz, assim como a cobrança de multa por rescisão do contrato antes do período de fidelização. (des. Mario Guimarães Neto – Julgamento: 06/06/2012 – Décima Segunda Câmara)
Porém, existem várias decisões recentes com entendimento contrário, afastando a multa por fidelização. No próprio Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia da ANATEL (aprovado pela Resolução nº 272/2001) é prevista a não cobrança por cancelamento do serviço:
Art. 59. O assinante do SCM1 têm direito, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável:
VII – ao cancelamento ou interrupção do serviço prestado, a qualquer tempo e sem ônus adicional;
Com base em tal norma, a 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, na Ação Civil Pública nº 0055873-94.2011.8.19.0001, entendeu que a cláusula de fidelidade é nula, decisão esta que foi mantida em 2ª instância.
O contrato de serviço de banda larga cria uma relação de consumo, que por sua vez deverá observância ao Código de Defesa do Consumidor. As relações de consumo são caracterizadas pela presença de partes desiguais: por um lado há o consumidor, considerado como a parte hipossuficiente, e de outro há o fornecedor (a empresa), que se destaca em posição superior por deter toda a cadeia de produção ou serviço. Visando equilibrar as relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor estabelece uma série de direitos e deveres para as partes. Já para o Código Civil, as partes em um contrato são consideradas iguais.
A razão de ser da cláusula penal prevista no Código Civil é a de forçar com que as partes mantenham o contrato, pois o descumprimento de uma das partes irá acarretar prejuízos para a outra. Mas falar em “prejuízo” para uma empresa não é a mesma coisa quando se fala para um consumidor pela disparidade que possuem. Assim, a cláusula penal que visa trazer equilíbrio para partes iguais, acaba trazendo um desequilíbrio maior para partes diferentes. Além disso, pela Teoria do Risco do Empreendimento, os riscos inerentes à atividade correm por conta do fornecedor, e não do consumidor.
Mas o argumento mais forte é encontrado aplicando o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Sendo a fidelização como uma cláusula limitadora de direitos, ela inevitavelmente será uma cláusula abusiva 2, com fundamento no art. 51, IV do CDC3e §1º, II4.
Com base em tal entendimento, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu que:
A cláusula de fidelização é abusiva, na medida em que coloca o consumidor em posição extremamente desvantajosa e desigual, violando, ainda, a livre concorrência e os princípios da confiança, da transparência, da informação, bem como da boa-fé objetiva. Demonstrada a nulidade da cláusula de fidelidade, o reconhecimento do caráter indevido da cobrança efetuada a este título é mero corolário lógico. (Relator: des. Antônio de Pádua. Apelação Cível 1.0434.08.015037-9/001. Data de Julgamento: 16/02/2012)
Em orientação recente, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, destacou tal entendimento no julgamento não unânime da Apelação Cível nº 0055873-94.2011.8.19.0001, merecendo destaque por decidir-se que os efeitos da decisão se operariam em todo território nacional:
“A fidelidade deve ser obtida e mantida por outros meios e procedimentos, notadamente os que produzam vantagens para o usuário, na medida em que se prolonga o vínculo contratual. Não é compatível com as relações de consumo aceitar a prática da fidelização do usuário por instrumento de força e de supremacia de uma das partes da relação contratual. O que se busca no sistema de proteção ao consumidor, de berço constitucional, é a eliminação das desigualdades contratuais resultantes da vulnerabilidade de uma das partes e a formação de relações equilibradas. A cláusula impugnada, ao contrário, acentua a desigualdade e fomenta o desequilíbrio. A cobrança de multa por cancelamento do serviço, independentemente de vedação em resolução da agencia reguladora, viola os valores e princípios válidos para as relações de consumo, notadamente a boa-fé objetiva.”
Na prática, dificultar o cancelamento do serviço pelo consumidor, que em muitos casos possui dificuldades em pagar contas essenciais, pela imposição de multa com valores excessivos, o impossibilita de rescindir o contrato e acaba por mantê-lo para que o prejuízo não seja maior. Como bem destacou a decisão da 4ª Câmara Cível, “A fidelização não pode ser mantida a custa da imposição de multa ao usuário na hipótese de rescisão unilateral”, mas com serviços satisfatórios que agradem os mesmos5.
  1. Serviço de Comutação Multimídia, definido no art. 3º da Resolução como “um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço” 
  2. Define o jurista Nelson Nery Jr. que “cláusula abusiva é aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca na relação contratual, que, no caso de nossa análise, é o consumidor, aliás, por expressa definição do art. 4º, nº I, do CDC” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p.569). 
  3. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; 
  4. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. 
  5. Com o mesmo entendimento foi fechada a matéria original, concluída em Janeiro de 2013 mas somente agora publicada em decorrência da presente decisão

Fonte: Linha Defensiva

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